Fez no dia 4 de Agosto de 1967, que cheguei a Lourenço Marques, em rendição individual, no navio «Angola», para uma missão de soberania, que a maior parte da juventude dessa altura estava sujeita. Quando hoje, sobretudo no Distrito de Cabo Delgado, onde se vê tanta destruição, tanta gente morrendo às mãos de forças que não têm sensibilidade, às centenas, vendo-se aos milhares desalojados fugindo da guerra, sendo as crianças as maiores vítimas, bem como os velhos, em situações desumanas, dá para pensar aos que lá andaram e quando havia vítimas, porque também como nós estavam a defender a sua terra, tanto fomos criticados. Hoje, vendo-se todas estas atrocidades, diga-se que, afinal, o Exército Português não foi assim tão mau para os moçambicanos, neste caso particular, porque além de matar a fome às populações, estas tinham também à sua disposição médicos e enfermeiros, não faltando também o ensino. O que hoje se vê, certamente que os atingidos, até dirão: Quem nos dera ter por cá novamente os portugueses... Na zona de Montepuez, terra do caju, todas as palhotas isoladas foram agrupadas a comunidades já instaladas, o que lhes dava segurança, pois estas eram atacadas pelos seus próprios irmãos.
Como dizia, depois de Lourenço Marques, cheguei à minha Companhia, 1504, em Novembro, desse ano. Depois de passar por Mocimboa da Praia, onde desembarquei, seguindo por Sagal e Diaca, onde havia uma fábrica de transformação de algodão, cheguei a Mueda, depois de passar pela Curva da Morte, onde morreram muitos camaradas em emboscadas. Aqui aguardei por transporte até Muidumbe, depois de passar por Miteda e Nangololo, onde estava instalada a sede do Batalhão 1878. O Batalhão, sendo transferido para Montepuez, regressou, entretanto, à Metrópole em Fevereiro de 1968, sendo eu, depois, colocado em Tete, no Comando de Agrupamento 1990, terminando a comissão de soberania em 1969, na Beira, chegando à minha terra - Arganil, em 22 de Setembro de 1969.
Como se vê, a cozinha da Companhia 1504 e de quase todas as outras companhias, na selva de Cabo Delgado, era um espaço que a ASAI de hoje não permitiria. Até a água se ia buscar a um tanque, feito por nós, num riacho, colocado numa ravina, transportada em bidons, sob vigilância dos colegas. Refeitório não havia. Cada um de nós escolhia um lugar sob a copa de uma mangueira, para que em caso de ataque os prejuízos não fossem maiores.
De vez em quando os artistas de Lisboa iam até nós para nos darem um pouco de alegria. Foi o que aconteceu com o Raul Solnado, que até teve um cartaz em sua honra.
E para terminar, apenas dizer: Quando se fala tanto em heróis, também nós, que desde 1961 até 1974, defendemos aquilo que todos diziam ser nosso, podíamos ser considerados heróis, pelo menos pelas boas práticas, que lá desenvolvemos. Fomos e continuamos a ser esquecidos, sobretudo em regalias médias, as quais podiam amenizar um pouco a vida de cada um, particularmente aqueles que ainda hoje sofrem com o stress de guerra. Mas os Combatentes são fortes e entre todos nós nota-se que o companheirismo, a amizade e a solidariedade são três palavras que ainda hoje nos
move, reunindo-nos uns com os outros, sob a bandeira de cada uma das unidades que representaram e lutaram, mas tendo sempre, acima da sua cabeça, a Bandeira Nacional. Ainda hoje, para a maioria, quando ouve a nossa Portuguesa em qualquer circunstância, os seus olhos lacrimejam, porque recordam-se que, quando era enterrado um camarada morto em combate, em sua memória era cantado por todos o Hino Nacional, a todo o vapor... ou por outra, com alma e coração. Aliás, ainda hoje acontece junto aos Monumentos que entretanto foram erigidos em diversos concelhos, em sua memória, particularmente em Arganil.
Se nos tempos de hoje se tem optado pelo confinamento, devido à pandemia, nós podemos dizer que estávamos também, porque os aquartelamentos eram cercados por arame farpado e só saímos quando para qualquer operação militar. Aqui, a incógnita era se regressávamos com vida. Até quando em vez, o aquartelamento ser atacado por metralhadoras e bazucadas vindas do exterior.
José Travassos Vasconcelos
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