Tínhamos chegado ao nosso acampamento de Cambamba, havia apenas dois meses. A 19/07/1973, foi o meu pelotão e outro da 1ª C CAV, em conjunto com mais dois pelotões de Zemba, integrados numa “Operação” ao designado NUFUQUE (também designado pelo morro 1020) com a finalidade de ir ao objectivo.
Pernoitando no chamado morro da artilharia, fomos acordados bem cedo pelo som provocado pelas peças de artilharia, e dirigimo-nos ao “objectivo” com a finalidade de destruirmos tudo o que restava do bombardeamento.
Chegados a cerca de 500 metros fomos recebidos por tiros de arma automática, pelo que nos abrigámos, mas ripostadas por disparos do portátil morteiro 60 trabalhado pelo impecável apontador Fagundes. Com a passa - palavra chegou até mim o pedido para o 07 FONSECA chegar à frente, pois que era necessário neutralizar uma mina anti pessoal.
Inteirando-me de que me esperava e confirmado pelo Guia que apenas era só aquilo, procedi ao levantamento da mesma depois de tomadas todas as precauções. Tentei entrega-la ao meu carregador, mas este recusou-se a transporta-la pois disse que ela explodia e ele morria.
Chegados ao dito acampamento, que em termos de limpeza estava impecável, com bancos escavados no próprio terreno, e houve até um alferes (da 1ª C. CAV) que queria ali permanecer mais tempo e almoçarmos lá, mas depressa nos desmotivámos e abalámos tendo contudo queimado todas as palhotas, (daí as fotos já publicadas no Blogue do Batalhão). Porém os soldados nativos tiveram a ousadia de recolher todo o amendoim e outros bens que por lá encontraram.
Foi assim o primeiro “Baptismo “ de guerra para uns jovens maçaricos que mal sabiam retomar a picada para regressar ao acampamento.
Foi a partir desta altura que começámos a ouvir na rádio ”Maria Turra” que nos baptizou como os “JOVENS CAVALEIROS ASSASSINOS DE CAMBAMBA”.
Baptizados que estávamos com o sobe e desce os morros e com o couro cabeludo macio do cacimbo “cacimbados”, coube-me um dia fazer uma coluna para ir levar os outros dois pelotões ao mato, para um operação de 2/3 dias, com saída do quartel a meio da tarde, e com local de apeamento para os lados de Mucondo, transitando por uma picada em que nunca tínhamos passado e quase intransitável.
Chegados ao local e após apeados os colegas que ficavam, deu-se a mensagem de partida da coluna, simplesmente que o amigo rádio “RACAL” pregou-nos a partida de não quer funcionar. Entretanto começou a anoitecer e hesitou-se entre o pernoitar em conjunto com os outros ou o avançarmos sem comunicações. Todo o resto do pessoal que estava no quartel estava incomodado com o nosso silêncio. Eu e o meu colega Moura tomámos a resolução de partir, embora tendo consciência do perigo que estávamos a correr, pois íamos passar em frente ao célebre Mufuque e eramos um alvo a abater dado que transitávamos com as luzes ligadas. Entregámo-nos nas mãos de Deus e rezei durante o percurso para que nada nos acontecesse. Felizmente tudo correu bem, e quando começámos a subir a picada de acesso ao quartel quase chorei de alegria.
Certo dia, estando dois pelotões na mata em operação, onde estava também o comandante de Companhia, estava o meu pelotão de serviço e eu de Sargento Dia. Como não tinha oficial comandante de pelotão, (pois foi na altura em que o alferes Sommer de Andrade tinha pedido transferência para o Leste), o alferes do outro assumia as funções de Oficial de Dia. Durante o dia tudo correu bem.
Elaborada a escala de serviço para a noite, havia o hábito de permanecerem no posto avançado da Enfermaria sempre os três elementos que se revezavam de duas em duas horas. Pelas uma horas da manhã e estando eu deitado a ler um livro, fui surpreendido pela visita do meu colega Furriel Mecânico perguntando-me que estava naquela hora de serviço na Enfermaria, pois que tinha lá ido passar ronda e ninguém lhe respondeu, dando o posto um género de abandono total com as mantas estendidas para fora. Consultando a escala de serviço disse-lhe: pelo homem que está nesta hora, ponha as mãos no lume, pois é o gajo mais reguíla da Companhia, mas não dorme em serviço e então onde está.
Rumámos em direcção a esse posto, montados num Jipe apetrechado com faróis de caça e repetida a operação anterior de chamar a sentinela focando o posto, ninguém respondeu. Tomada a decisão de dar dois tiros sobre o posto, assim fiz. Apareceram então as três sentinelas e um alferes. Este tinha-lhes dito para não responderem ao chamamento que era para ver se nós tínhamos a coragem de subir ao posto para acordar os mesmos, ou ver o que se tinha passado. Claro, escusado será dizer que se gerou uma confusão total entre oficial e sargentos, discussão que durou até cerca das três da manhã com ameaças de participações. Noite em claro.
No quartel apenas se encontrava aquele oficial.
Quem saía de serviço, entrava de escolta. Era necessário ir recolher o pessoal que estava na mata, e quando a coluna estava formada e prontos para partir aparece esse oficial dizendo que também ia na coluna, (quando era Oficial Dia). Como era meu superior indiquei-lhe a primeira viatura e como tal comandante de coluna e eu fui para a ultima viatura.
Chegados ao local de recolha, o comandante de Companhia tomou o lugar na primeira viatura e veio para junto de mim um dos outros oficiais que começou por me perguntar o que se tinha passado para que o quartel tivesse ficado sem oficial algum, apenas entregue ao 1º Sargento, (que estou convencido que na altura nem se terá apercebido de tal), e aos três furriéis do outro pelotão, que ficou de serviço.
Sempre me regi, e assim continuo na vida, pela verdade, ainda que por isso seja prejudicado. Comecei então por contar todo o passado ao outro oficial, que ficou admirado do sucedido, embora tendo perfeito conhecimento que o que estaria a ser contado ao Capitão não era a realidade.
Chegados ao quartel e depois de mandar o pessoal destroçar, fui tomar um banho e aguardei que fosse chamado ao Capitão, o que não tardou a acontecer. Mal entrei no gabinete deste, verifiquei que esse senhor alferes não estava presente. Inquirido sobre tudo o que se tinha passado, apenas disse a verdade e comprovei com a presença do meu colega furriel mecânico que entretanto se mandou chamar. Apareceu também esse alferes que foi mandado chamar e claro, começou novamente a discussão, sendo ameaçado que iria participar de mim. Porém o Capitão, com o seu poder de comando e conhecendo perfeitamente o nosso carácter e personalidade conseguiu pôr água na fervura por ali.
Como quem não se sente não é filho de boa gente, como diz o nosso povo, fora do gabinete continuou a conversa amena.
Era alguém que pensava em acabar com a guerrilha e pensava que os galões faziam tudo.
Situações vividas, com final feliz, e que jamais esquecerão.
As peripécias no Ultramar do nosso Associado Carlos Fonseca