QUEM AINDA SE LEMBRA DAS MADRINHAS DE GUERRA?
- “Se me lembro das madrinhas de guerra? Oh, se lembro, e de que maneira! Acabei por casar, e em boa hora, com a minha madrinha de guerra!”. Assim falava um ex-militar da guerra de Angola dos anos 1960, quando lhe perguntaram se ainda se lembrava das madrinhas de guerra, à mesa do café (quando ainda se podia beber uma bica e dar dois dedos de conversa que tanta falta faz, principalmente aos idosos. Depois veio o Covid, os confinamentos, o afastamento, ruas e cafés vazios, e quando se vai sozinho pela rua e se vê alguém, parece que, desconfiados, fugimos uns dos outros…).
O fenómeno das madrinhas de guerra, senhoras e jovens raparigas que se correspondiam com os militares expedicionários das guerras do Ultramar e os reconfortavam com meia dúzia de linhas escritas, através de aerogramas ou cartas, das vicissitudes dos combates e recontros com o inimigo tantas vezes escondido em emboscadas, nos perigosos capins e picadas africanas, recomeçou no Verão de 1961.
Já antes, durante a Grande Guerra de 1914-1918, os militares do C.E.P. (Corpo Expedicionário Português), em terras da Flandres, eram apoiados moral e materialmente por “criança, senhorinha ou senhora que assistia moralmente ou protegia um soldado em operações”, às vezes sem conhecê-lo pessoalmente, “escrevendo-lhe enviando-lhe livros, tabaco, doces, víveres ou presentes”. Uma madrinha de guerra era, dizia-se, “a protectora de um militar em campanha”.
Mas, voltando aos anos 1961-1974, anos das guerras que Portugal enfrentou em Angola, Moçambique e Guiné, a comunicação entre as madrinhas de guerra, na Metrópole, e os soldados, em África, era maioritariamente feita através dos “aerogramas”, termo que havia sido oficialmente aprovado na União Postal Universal, de 1952. Em Portugal, nesses anos de guerra, o aerograma era da responsabilidade do S.P.M. (Serviço Postal Militar), “serviço de importância capital… para a manutenção e elevação do moral das tropas” e custava para os civis $30 centavos (três tostões), sendo gratuito para os militares. E tinha duas cores – para os civis, azul, para os militares, amarelo. Assim era mais fácil violar a correspondência em caso de desconfiança… dizia-se na altura.
O aerograma era um desdobrável, leve, que não necessitava de envelope nem de selo. Tinha o apoio do Movimento Nacional Feminino (M.N.F.) e da TAP (Transportes Aéreos Portugueses). Para além da acção do M.N.F., teve também especial importância a secção feminina da Cruz Vermelha Portuguesa.
Voltando às madrinhas de guerra, havia revistas que apelavam às senhoras e raparigas “ofereçam-se para madrinhas de guerra. Mandem o vosso nome e morada para o M.N.F.”. Segundo o relato de muitos militares desse tempo, havia muitos deles que tinham mais de uma madrinha de guerra, que depois, com o evoluir da correspondência, uma seria a escolhida. “Já namoras? Se não, sou eu que te estou a pedir namoro, agora. Aceitas?”. Seria o começo de uma nova relação, que, ao chegar da comissão ao cais da Rocha Conde d’ Óbidos ou Alcântara, por entre beijos e abraços, o pedido de namoro transformava-se agora em noivado. O casamento viria logo a seguir. Tempos!
"Eduardo Gonçalves"
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